quinta-feira, 21 de outubro de 2010

a única coisa que eu me arrependo na vida é de ter sacaneado aquele paraplégico na sauna!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

RODADA INTERIOR

Iraty X Paraná


O Iraty enfrenta o Paraná pensando no calendário para o resto do ano e também para 2011. Uma vitória confirma o Azulão na terceira colocação do paranaense e assegura o direito a uma vaga no campeonato brasileiro da Serie D e na Copa do Brasil do ano que vem, além do premio de 50 mil reais oferecidos pela RPC ao melhor time do interior. “Temos o objetivo de chegar em terceiro colocado e queremos confirmar nossa campanha vitoriosa em casa”, afirma o técnico Gilberto Pereira. Iraty está invicto neste ano jogando no Emilio Gomes. Pereira não conta com Rogério, suspenso pelo terceiro amarelo, e espera a recuperação de três titulares lesionados: Ceará, William e Leandro. Dos três, Leandro é quem tem mais chances de enfrentar o Paraná. O provável time do Iraty para domingo é Valter, Airton, Renê, Gilvan e Marquinhos; Bruno, Diogo e Vilson; Leandro, Eydson e Tavares.


Operário X Paranavaí

O Operário terá seis mudanças em relação ao time que enfrentou Coritiba no ultimo domingo. Sem o lateral Lisa, Cassiano entra na direita. O atacante Baiano volta e o lateral Gilson, expulso ao impedir um gol do Atlético com a mão, retornam de suspensão. João Renato aparece no meio no lugar do machucado Serginho Paulitsa. O Operário ainda sonha com a segunda vaga paranaense na serie D.
Hipótese descartada pela diretoria do Paranavaí. Ainda com chances matemáticas, a diretoria do Vermelhinho já anunciou que não terá condições financeiras de disputar a terceira divisão. A preocupação maior é conseguir pagar os salários de maio e abril. O zagueiro Pomarola e o lateral Rogerinho desfalcam o time. Entram Adriano, volante improvisado na lateral esquerda, e Wiliams na defesa.


Cascavel X Corinthians- PR

O jogo define quem o ultimo colocado do octogonal final. O Corinthians Paranaense poupa o time principal ainda acreditando na classificação na Copa do Brasil. Nem mesmo o técnico Lio Evaristo viajou para Cascavel. Em seu lugar, comanda o time o auxiliar Sandro Forner. Dos titulares apenas o meia William, e expulso contra o Vasco, e o zagueiro Elton jogam, ao lado jogadores da base e dos que não vem sendo aproveitados no grupo principal .
No Cascavel o técnico Eloi Kurger tem problemas para escalar a equipe. O meia Ueverson, um dos destaques da equipe, foi negociado como Comercial do Mato Grosso do Sul. Em seu lugar entra Gilberto. O zagueiro Ciro, suspenso, dá lugar a Felipe Jaques, autor do gol a favor do Paraná.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A LONGO PRAZO, ESTAREMOS TODOS MORTOS














Torpor e decadência numa noite sem preliminares

No caso de meus encontros com a canadense é fácil diagnosticar que se trata de uma folie a deux clássica. A psiquiatria criminal assim chama o transtorno marcado pela cumplicidade incontrolável dos casais. Delinquir, fazer coisas que jamais fariam sozinhos. Retroalimentar a loucura um do outro. Explica também o fascínio dos velhos pactos de morte.

Em mim, se manifesta quando ela tá por perto. Nossos encontro se dão num mundo isolado, onde os outros quase não interessam e o torpor impera. Progressivamente criamos um sistema delirante para legitimar nossas idéias mais perigosas e despropositadas. Por conhecer o caráter ilícito de nosso romance precisava agir rápido.

Parti para uma coleta séria de drogas. E vocês sabem (o Duke ensinou) que a tendência é levá-la às ultimas conseqüências. Tomou-me a madrugada de sexta e metade do adiantamento que o editor escorregou por toda a empreitada.

Bom chefe. Cultiva a ilusão de que eu sou o cara que mais entende de música na redação. Talvez por que ele viu um dia minha velha coleção de discos, herdados de um tio doidão. Desde então, uns três anos, eu sou o titular nas coberturas musicais. Viagens, diárias e quetais. Redator de amenidades queixo-me como um sultão por ter prazeres demais.

Peguei o dinheiro e a passagem na sexta à tarde. O avião zarparia no sábado de manhã. Eu marquei com a canadense num hotel na Paulista, duas da tarde. Bebi a noite inteira e me arrastei pro aeroporto assim que o sol nasceu.

ROCK 'N ROLL
Dois festivais da velha música do diabo aconteceriam simultaneamente. O headline de um era o Faith no More de volta ao Brasil, e mais Janes Addiction e não sei mais quem. Do outro, patrocinados por um portal de Internet, Iggy e os Stooges - e também Primal Scream, Sonic Youth e uns menos votados. Era preciso sacrificar um bem menor por outro, sempre em nome do jornalismo. Mais uma vez o editor deixou na minha mão.

Esta ultima escalação é uma curiosa repetição de outro festival em que compareci, anos atrás. Falta de imaginação, venda casada, ação entre amigos? O certo é que a coisa se repetira.

Por essas, o show do Faith no More era a pedida certa. Até por que os caras andavam sumidos. Lembro que eles fizeram um show aqui em Cwb no começo dos 90, no pavilhão do Barigui. Marcou minha geração - composta por caras que foram lá ou lembram que foram sem ter muita certeza (como eu). E as meninas se derretem pelo Patton, que é realmente um cara carismático. Lembro que roubei, nas Americanas, o cd Angel Dust – álbum do suicídio profissional dos caras. Enfim, puta show.

Mas o negócio é que a canadense estaria na área e não era hora de fazer a coisa certa. Ademais, seria na tal chácara do Jockey, onde há alguns meses assisti grande concerto do Radiohead. Prometi a mim mesmo nunca mais pisar naquele buraco de onde é quase impossível ir embora. Os outros shows eram no Playcenter, com todas as montanhas russas liberadas, perto do centro e tal.

Cheguei, fiz o check-in no Íbis, tomei a ducha, uma cerveja e fui fumar na janela planejando as próximas jogadas. A fumaça do cigarro acionou um exaustor no teto e logo telefone tocou. “_ Você está fumando, senhor Sandro? A lei estadual número tal determina que...”.

Porra, a paranóia se instalou pra valer em São Paulo. Nós, como bons jacus, vamos importando-a aos poucos. Mandei o cara à merda e desci aboletar as entradas. Claro que veríamos o Iggy Pop. Obrigatório que se faça antes da morte. Dele e nossa. Todos vamos morrer. Usei uma carteira de estudante falsa para a canadense. Os caras anotam o RG e várias outras coisas no ingresso. Evidentemente, ninguém jamais conferiu porra nenhuma.

AUGUSTA
Nos encontramos finalmente. A folie começou a bater forte. Ela, linda. Falando sem parar com uns amigos viados. Não sei de onde eram. Sei que veriam o outro show – o que me fez ter a certeza de que agi certo.

Tudo o mais foi evento preparatório. Demos umas voltas na rua Augusta. A velha calle do pecado, da lumpenprostituição, dos bares e da malandragem malagueta. Virou uma rua de lojas de roupas descoladas para mulheres descoladas. Caso da minha louca canadense que se fartou experimentando sapatos com os viados enquanto eu tentava achar um bar decente.

PLAYCENTER
Chegamos na hora, na metade do meio caído show do Primal Scream. Bom, pra quem não lembra o Primal Scream é uma velha banda escocesa que sempre alterna bons e maus momentos. Ali eles tavam enganando. Tudo bem. O cenário era propicio. Farsa no velho e decadente parque, com as luzes estilo “pague para entrar, reze para sair”. Meia lotação na platéia, uma área vip desproporcional – há muita gente importante – e garoa paulista.

O patrocinador armou um rede de tv que transmitiu tudo pela net. Repórteres bonitinhas bajulando os músicos e enrolando com os “especialistas”. Gente como Kid Vinil, Massari, os velhos caras da MTV. Na real, foi um show basicamente de velharias. Velhos (e bons) músicos, velhos fãs, velhas canções.

Fez-me lembrar de um outro senhor. “No rock'n'roll, a diferença de idade entre artista e platéia não é grande. Mas, infelizmente, as pessoas na quarta fila imaginam que aqueles em cima do palco saibam de coisas que elas não sabem. E isso não é verdade”, disse o Lou Reed.

Bom, a diferença de idade, entre Iggy ou o Sonic Youth e o público, era significativa. Os caras são bem mais velhos (Iggy nasceu em 1947). E parecem nada desconfortáveis no papel de alguém que sabe muito mais que os fãs. Até por que porque é verdade que saibam, mas já chegamos lá.

Depois do primeiro show meus problemas começaram. A canadense quis ir ao banheiro. Acompanhei-a, cavalheiro, até a porta. Elegemos o bar como ponto de reencontro. Acontece que ela não entrou no banheiro. Saiu decidida em direção ao nada e desapareceu. Concluí que ela deveria estar bem louca e não queria mais papo comigo. Deixei ir. Não há nada mais inútil do que um miserável indo atrás de uma mulher que não o quer.

Fiquei no bar. Matei uma, duas, três Heinekens. Fiz algumas anotações e encontrei conhecidos. Então a demência veio me visitar. Saí puto atrás da canadense. “Porra como é que ela faz isso comigo”, eu pensava até que a encontrei na porta do banheiro, arranhando os braços com umas pedras pontudas. “Você me deixou aqui sozinha” ela soluçava com ódio. A velha folie de dois, a mesma loucura errada compartilhada.

Para acabar com o mal-entendido fiz minhas cenas. Devoção, automutilação, resignação e todo o meu arsenal de mentiras. Convidei-a para fazer as pazes na montanha russa. Foi, com efeito, uma grande idéia. Todos os loops e viradas bruscas e mudanças de humor da parada chacoalharam o nosso sangue entorpecido. Você acha que a coisa nunca vai parar. Quando parou, ficamos no grau certo, quase amor. Chovia. E Thurston e Ranaldo começaram a espancar duas de suas nove guitarras.

SONIC YOUTH
No mundo pós-punk, onde eu me criei, parecia vigorar a idéia de que o rock não passa de esporro em estado bruto. Barulho, doideira e ponto. Uma banda como o Sonic Youth veio provar-me o contrário. O troço pode ter um significado maior, para além do suor e do headbanging. Foi preciso que caras como Thurston Moore ou Frank Black, aparecessem para me dizer umas verdades.
Claro que nada é mais intragável do que rock "sério", pretensioso e babaca. O Sonic é outra parada. Tem as guitarras mais nervosas desde o Black Sabbath, longas suítes, cheias de ruídos e microfonias harmônicas que derretem as mentes fritas. Além das melhores letras, as mais espertas, das melodias mais bonitas. O melhor de muitos mundos em Nova Iorque.

Eles lançaram um puta disco em 2009. E o concerto foi basicamente este repertório com algum ou outro clássico de mais de 20 anos. Os caras estão bem velhos também, mas muito elegantes. “Por dios, isto é o melhor som que se pode tirar de uma guitarra”, eu pensei. Então passei o braço pelo pescoço da canadense. Chovia. Ambos entramos num transe com os copos de cerveja intermináveis e aí pensei que a vida não fica muito melhor que isso.

ALGUÉM VENHA SALVAR MINHA ALMA
Às vezes esqueço que preciso explicar as coisas. Esqueço que é jornalismo: a arte de dizer “Lorde Jones está morto” para pessoas que nunca souberam que ele estava vivo. Tem gente que não sabe quem é o Iggy Pop.

Iggy é o mito, o ícone de rockstar completo. Louco, bonito, avassalador, sacana. A música moderna começa com ele e a influência e as implicações do que fez vai durar para sempre. A única coisa errada seria romantizá-lo demais.

Ele também lançou um baita disco em 2009, Preliminaires. Cantando em francês macarrônico algumas chansons clássicas, umas composições fodas e ate é uma bossanovazinha.
Aqui para nos índios, entretanto, ele não veio cantar em francês. Nem cantar como ele faz de 1980, quando, adolescente, mudou a voz. Veio cantar com os Stooges, caras que com ele e mais uns, inventaram o punk. Hoje são senhores gordos e grisalhos. Iggy ainda é o galã kinky, apesar de arriscar uma barriguinha aos 63 anos.

O concerto era o repertório do Raw Power, feito há 36 anos. Não me admiro que no Brasil se façam sets repetidos, velhas bandas cantem os mesmos números oitocentas vezes. É disso que a infantil insegurança do nosso povo gosta. Não dá pra falar mal. Ele faz o mesmo show velho para bancar o grande disco novo. Por outro lado, não é de se jogar fora a catarse dos Stooges. E a gente sabeque ele vai fazer mais um strip-tease.

Mais outra lição de jornalismo. O velho dandi, Tom Wolfe, diz que a diferença entre o profissional e o cururu é a seguinte: o jornalista vai, pisa e olha. Sempre por ângulos corajosos. Necessariamente algo que o cavalheiro comum não veria das tribunas.

Digo isto, por que conhecendo o mise-en-scéne sabia que, uma hora ou outra, Iggy Pop convida a multidão a invadir o palco. A segurança faz um minuto de vista grossa, neguinho mais malandro sobe e a coisa se torna uma adorável zona. Melhor que isso em um show de rock só quando uma mina poe os peitos pra fora. Tentei convencer a canadense.

Antes de Shake Appeal, ele intimou a galera. “Apenas alguns caras...”. Era a hora. Projetei a canadense pelo alambrado e me joguei também. Invadimos o palco e demos nosso melhor beijo. A verdadeira montanha russa. Um vôo cego. Tarde demais para saltar fora. Você chegou até aqui. Estávamos juntos nessa.

O rock hoje tem história. Os personagens dela, ainda vivos e maltratados, passam por nós. Gritam de um lugar distante, não se dirigem a ninguém. Fazem eco no nosso vazio procurando algum significado. E às vezes encontram. Mas só por uma noite.

DECADÊNCIA
Restava-nos pouco tempo. Depois de tudo, cair na boca da na melhor cidade da América. Pra variar perdi a cabeça. Comecei a dar gorjetas, pegar táxis, a viver além das posses. No outro dia fomos comer no terraço Itália. Um salário mínimo por um um pato com laranja com risoto de lagosta. Quem não conhece o bar do lugar não conhece São Paulo. Uma gaiola de vidro de 360 grados, no 41º andar. Urbe, concreto e decadência. Engarrafamento de helicopteros. Gringos loucos de pó. Uma beleza.

Ela queria fazer um monte de coisas. Ver exposições e bazares. Eu sabia que tudo mudaria de figura assim que viessem os drinques. Ela pediu Kir. Eu um Dry-Martini. A azeitona vinha lancetada por um alfinete de prata. Uma flecha embebida num veneno. Quando eles vieram, usei meu despotismo sem reservas, menino de gênio sobre a alma menos enérgica. “Vamos ficar aqui”. Na verdade era o que ela queria ouvir. “É uma boa garota” eu pensei. E isso é raro e nunca por acaso.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

As dez mortes mais bizarras da literatura mundial

#10 - Ambrose Bierce [1842-1914?] Escritor Americano

Desapareceu no México durante uma reportagem sobre a rebelião de Pancho Villa. Provavelmente morto por bandidos. “Vida. Uma conserva espiritual que preserva o corpo da decadencia...”

#09 - Leo Tolstoy [1828-1910] Autor Russo

Depois de torrar toda a sua fortuna, morreu congelado numa estação de trem numa noite fria de inverno."Nosso corpo é uma máquina de viver. É organizado para isso, é a sua natureza. Deixe a vida continuar nele sem impedimentos e deixá-o se defender, ele fará mehor do que se você tentar mais do que se paralisa-lo se empanturrando com remédios”

#08 - Virginia Woolf [1882-1941] Escritora e crítica inglesa

Encheu os bolsos de pedras e afogou-se no rio Ouse.“Se nós não vivermos perigosamente, puxando o bode selvagem pela barba e andando na beira de precipicios, podemos nunca nos deprimir, sem dúvida, mas já seremos decadentes, fatalistas e velhos”

#07 - Euripides [480-406 B.C.] Filosófo grego

Atacado por uma matilha de cães selvagens pertencentes a Arquelau, rei da Macedônia, segundo a lenda.“O que começa mal, termina mal”.

#06 - Sherwood Anderson [1876-1941] Escritor Americano

Complicações de peritonite no Panamá, após a ingestão de um palito de dentes, juntamente com um hors d'oeuvre num coquetel.
“Todos no mundo são Cristos, e todos eles são crucificados”.

#05 - Hart Crane [1899-1932] Poeta Americano

Enquanto viajava a New York a bordo do S.S. Orizaba, se jogou no mar do Caribe. No convés teria dito : “Adeus para todos...”" Nós vimos / A lua em becos solitários fazer uma taça de risos das cinzas de uma lata vazia...”


#04 - Edgar Allan Poe [1809-1849] Escritor Americano

Morreu de “ aguda congestão cerebral” alguns dias depois de ser descoberto inconsciente, usando roupas esfarradas de outra pessoa, jogado numa rua de Baltimore. “Num instante me senti levitando. Mas já não tinha corpo, presença visivel, audível ou palpável”.

#03 - Sergei Esenin [1895-1925] Poeta russo

Cortou os pulsos, escreveu um ultimo poema com sangue (chamado "Do svidania drug moi" ou"Adeus meu amigo") e se enforcou num quarto de hotel em Leningrado."Não acordar do sonho que morre/Não contestar a meta que falhou./A vida me levou muito cedo pra julagamento/O fracasso, a derrota – de que me serviram?"

#02 - John Berryman [1914-1972] American Poet

Se jogou de uma ponte sobre o Misissipi; supostamente acenando para os transeuntes nas margens do rio.“ Devemos avançar na direção de nossos medos”

#01 - Yukio Mishima [1925-1970] Autor Japones
Cometeu sepukku ( também conhecido como hara-kiri) e foi decapitado durante tentativa frustrada de golpe de Estado. “Se nós prezamos tanto a dignidade da vida, como podemos também não valorizar a dignidade da morte? Nenhuma morte pode ser chamada de fútil”.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Alta gastronomia para a juventude

Os três acordes da cozinha punk brasileira – arroz, feijão e bife – são, para o meu gosto, a medida duma boa refeição. Um ovo em cima, como Iggy Pop nas mãos da multidão, é requinte. Não que eu seja de todo um grosseirão, sem modos. Até sei usar os talheres de peixe, (que sempre vomito junto com o vinho branco) mau menino de família boa que eu sempre fui.
No tempo de menino, e que já vai longe, aliás, todos queriam ser poetas ou guitarristas. Depois vieram os videomakers. Hoje somos todos sofisticados cozinheiros, espertos em vinho, e se por acaso numa noite dessas, urinares em uma moita, provavelmente o fará por cima de um chef de cozinha internacional ainda não consagrado. A arte da vez é essa. Reduzir molhos, temperar o arroz “thai jasmine”, misturar maracujá com barreado - tudo, como desde quando era no principio, agora e para sempre, no intuito de tentar impressionar as menininhas.
O que sempre justifica a situação, é claro. O negócio é que este negócio não me pegou. Criado na copa de bares pé-sujo, de Santa Catarina ao Rio, minha coragem gástrica e paladar sempre penderam pro lado da tradicionalista comida de boteco. Terreno onde quase tudo é permitido, menos a frescura. Estas iguarias mantém vivas nesta terra de meu Deus uma legião de criaturas sem cor, que se enchem de vida todas as noites contando mentiras entorpecidas pelos balcões.
Todo este nariz de cera introduz o relato de uma experiência gastronômica autêntica, visceral e inesquecível que a profissão (a melhor entre as melhores) se me obrigou.
O editor me pediu um pequeno artigo sobre comidas exóticas de bar. Pois, mal sabia que pediu ao homem certo. Como sou da aldeia, conheço os caboclos, saí campo fora na carreira em direção às celebres comidas de macho da praça. A coisa começou no bar Giraldi, no trilho do trem do Cristo Rei.
Já faz uns 20 anos a casa importou do pantanal a afrodisíaca receita do caldinho de piranha, que faz o jacaré nadar de costas e nego subir em parede lisa de tamanco. Infusão sugestiva, nutritiva, coercitiva e permissiva com um honesto preço de 4 reais. Ideal para o desejum, com duas cervejas claras.
Deve-se então ir andando até a Praça Osório, coração da cidade, onde há 104 anos empilham-se as bolachas no balcão do bar Stuart. Ali entre o chiaroscuro das tulipas, encara-se a mais ousada libação. Superclássicos “cojones de toro”. Ensopados ou a milanesa, ora, bolas.
Almas fracas enxergam chifres na poderosa poção, uma espécie de uma perversão homo-zoo-erótica, que só pode nascer de cabeças pra lá de doentias. E faz lembrar a velha piada do cara que chegando em Madrid resolveu encarar uns cojones, e ficou encantado com o sabor e o tamanho das peças. No outro dia voltou e surpreso com a mingua da porção foi hablar ao garçom. Este explicou: “... é que nem sempre o toro perde”. Não temos touradas por aqui (pararatinbum), mas os testículos de touro sim. Não é pra qualquer um, entretanto, devo admitir.
A digestão se faz com a perigosíssima mistura de batida de limão com amargo (aqui parêntese importante para os jovens: o consumo compulsivo de álcool leva a uma doença grave, que destrói família e carreiras, há que se tomar cuidado...). A partir daí, de um jeito ou de outro, precisa se chegar no São Braz. Uma outra casa que eu vou te contar, meu parceirinho. Na esquina da Toaldo Túlio com a ponte da 277 , na fachada diz em cima que é o lar dos Irmãos Obrzut. Ali dentro, na vitrine exibem-se algumas das mais saborosas comidas da história dos botequins, com o inconfundível bom gosto dos eslavos – polacos ou ucranianos. Diante da larga oferta, eu geralmente fico na dúvida entre o rim suíno ensopado com pão ou o cérebro bovino a milanesa com limão. Acabo encarando os dois – um de cada vez. E a conversa é sobre a primeira divisão, os velhos faroestes, mulher, a segunda divisão, cachaça branca ou amarela, a terceira divisão, o resultado das 18 horas, estas coisas fundamentais.Por que bar bom tem boa conversa.
Mas o melhor ainda é o porvir.
Após detidas investigações, baseado em indícios e relatos, consegui finalmente chegar a um lugar de sonho. O caminho não é dos mais fáceis – como os que levam às melhores praias. Precisas-se subir, descer, virar à esquerda, à direita, fazer o contorno, tocar em frente, passar a rótula, o tubo do ligeirinho e depois virar a direita e mais duas a esquerda e pronto. Lanchonete Moraes, no Osternack (perto do zoológico).
A única chance de se comer a verdadeira buchada de bode, receita piauiense, sem precisar tomar um navio um avião ou um caminhão. A mágica se dá sempre, e tão somente, às segundas-feiras. O bar recebe bebuns e gourmets da cidade e região até as duas e meia da manhã. A buchada é uma obra de arte (é óbito) com farofa de cuzcuz e uma pimenta de cheiro que segundo consta, matou o vigia.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Útimas Palavras

Escrever é fácil, o difícil é fazer anotações diz o Ivan Lessa. Confesso que sou um daqueles tipos que anota e guarda pedaços de papel com inicios de sonetos, chaves de ouro, guardanapos de boteco com anotações de toda sorte. Sempre parecem geniais ao sangrar. Frustrantes e ininteligíveis no dia seguinte. Além de toda esta papelada inútil guardo com zelo farto material que envolve gibis antigos, cadernos de tempos passados, revistas que não mais circulam, capas de disco vazias, álbuns de figurinhas incompletos, rótulos de cerveja que ninguém mais se lembra... Ou seja, todas estas coisas fundamentais na vida de um homem.
De quando em quando é bom fazer uma visita a este arquivo X, que guarda tudo o que há de mais sórdido e escondido na alma da gente. O nosso lado bom. Dia destes (hoje, inclusive) dei de cara com anotações recolhidas numa antologia de ultimas palavras. Os derradeiros suspiros comprovadamente pronunciados por figuras de vulto da história, no ultimo leito.
Por anterioridade e influencia lembre-mo-nos de Sócrates (399 a.C). Do alto de toda a sua sabedoria teria dito ao amigo Crito, segundos antes do ultimo gesto: “Eu devo um galo (o bicho , não a nota de 50) a Eclépio; você vai se lembrar da dívida?” . Simplicidade socrática. Nada como Nero (68 d.C) que, imodestamente, lamentou: “Que grande artista o mundo vai perder” E verdade que as fontes não são lá confiáveis, passados tantos anos. Há outras versões. Como também há duas versões para as ultimas do poeta Rabelais ( 1553): “Desçam as cortinas, a farsa acabou”. E a outra : “ Estou indo para o grande talvez” . Qualquer uma cairia bem. Voltaire (1778) não filosofou no pé da cova. Foi apenas rabugento: “Me deixem morrer em paz”. Seu compatriota Diderot (1784) por sua vez parecia estar numa conferência: “O primeiro passo rumo à filosofia é a incredulidade”, e assim o enciclopedista apagou.
A mais citada e celebre é a de Goethe (1832): “Mais luz”, o alemão pediu antes de descer a treva eterna. Outro alemão genial, Hegel (1831), a segundos de desencarnar foi alemã e pessimista: “Só um homem conseguiu me entender...e ele não me entendeu direito.”. O farewell de James Joyce(1941) também foi nesta linha niilista “ Será que ninguém entende ?”
Há os que desdenham a indesejada, como o historiador escocês Thomas Carlyle (1881) : "Então morrer é isso? Ora...” e mais não disse, nem lhe perguntaram. Há ainda os que parecem finalmente entender tudo como Henry James (1916) : “ Enfim as coisas distintas...”. Parece que Tolstoi (1910) morreu babando, Hendrix (1967) afogado no próprio vômito e DH Lawrence (1930) chamando a enfermeira. Nada digno de anotação. Contam também que o bruxo do Cosme Velho se mostrou satisfeito aos 45' do segundo tempo. “A vida é boa” teria sussurrado a José Veríssimo, para depois virar pro lado e dormir. Graciliano (1953) foi mais realista que Machado (1908): “Estou acabado”.
Mas em matéria de descer a mansão dos mortos nada como o Isidoro (2004), que bebia ali no Bar do Dante. O adeus me foi contado em primeira mão pelos amigos que o acudiram, em vão, após o atropelamento. . Seu Isidoro ao ver que o infinito o esperava, e esticar o pernil, ainda fez uma ultima pilhéria : “ Fecha a minha conta...”.
A batida de botas de José do Patrocínio (1929), político brilhante e grande gozador, lembrada pelo Sérgio Augusto numa remota edição de Bundas – que se perdeu (a revista) pelo nome. Zé do Patrocínio foi longe. Transcrevoi o texto que saiu na edição 21: “ ... condenado pelos médicos a tomara leite humano, pois nada mais o apetecia, à primeira demosntração de dificuldade da enfermeira para por uma colherzinha o leite extraído dos alvos e belos seios de uma ama seca, Zeca abriu um olho e sugeriu: _ Doutor, não seria melhor eu mamar? – e nem sequer para mamar abriu mais a boca”

A COLÔMBIA NÃO É PARA PRINCIPIANTES

No dia em que poderiam ter me matado – o que acabou não se confirmando – encontrei com Don Javier Arena numa redação, num subúrbio de Bogotá. Ele do alto de sua elegância eu daqui mesmo, reconhecemo-nos recíprocas afinidades, mesmo ele num seguro outono e eu no flagrante labirinto, qual general de estrela morta. Com experiência de jornalista decano da boa imprensa de lá, notou que minha aflição nascia da dificuldade em começar o texto que deveria escrever sobre minha visita ao país – o que acabou se confirmando. Então contou-me uma conversa, na sala de redação da agência Prensa Latina, em uma tarde dos anos 60s, com Gabriel Garcia Marquez, seu diretor há época. Arena quis saber como ele conseguia inspiração para as páginas fantásticas que criava. Na resposta, uma verdade que resume o pais contraditório:
– Na Colômbia, a realidade é mais inacreditável que qualquer ficção...
Melhor maneira de entender a “surrealidade” – facil para nós, convenhamos - de um pais que diz querer a paz e vive em guerra permanente há décadas, de um povo cordial e alegre , ao mesmo tão violento desconfiado, de como o pais que abastece o mundo de frutas e flores é também o líder do mercado mundial de drogas ilícitas .
Para se tentar entender todas as complexidades deste realismo fantástico da política colombiana, é preciso primeiro investigar as raízes históricas que produziram o cenário do conflito armado permanente ( que vai sofrendo finalmente a sua mais íngreme distensão).
Ao contrário da violência urbana brasileira, que tem matiz notadamente social (e – por que não dizer? – racial), a origem da violência colombiana é política. Nasceu a partir da insurgência de grupos armados que rebentaram no país em oposição ao federalismo de um governo central que nunca disse há que veio. O poder centralizado nunca foi compromissado com as complicadas idiossincrasias de cada região de um pais que reúne o Caribe, uma costa no Oceano Pacifico, a cordilheira dos Andes, muitas aldeias camponesas e grandes metrópoles num só território.
Isso se não se quiser ir mais longe, buscando na brutal história colonial da Colômbia uma explicação sociológica. Nada parecido com as “três raças tristes” que formaram o povo brasileiro. Pode-se dizer que a cultura colombiana se fundou no encontro de nativos guerreiros com exploradores violentos com sede de ouro, sangue, sal e esmeraldas.
Um seminal estudo sobre o caso da violência na Colômbia, assinado pelos historiadores Gonzalo Sanchez e Donny Merteens, tenta investigar a gênese moderna do problema apresentando aquela que os autores chamam de “a geração da violência” – a que viveu o período de 1945 e 1964.
Nesses tempos de cólera social, irrompeu, em meio a um turbulento cenário político, uma forca armada camponesa – os bandoleros (que guardam muita semelhança com a experiência do cangaço brasileiro). O assalto, a pilhagem e o assassinato apareciam como ferramentas políticas e se tornariam típicos na paisagem colombiana.
Essa forma de revolta popular, que teve no bandoleiro Desquite o seu avatar (mais ou menos o equivalente a Lampião no imaginário colombiano), foi a primeira grande demonstração do porvir violento que esperava os caminhos do país nos próximos anos.
Por ocasião da morte do mitológico bandido, o poeta Gonzalo Arango sustentava que ele [...] “era un malhechor, un poeta de la muerte: hacía del crimen una de las bellas artes. Mataba. Se desquitaba. Lo mataron [...] Lo mataron porque era un bandido y tenía que morir. Merecía morir sin duda, pero no más que los bandidos del poder”. Esse ainda parece ser um sentimento difuso no país. Dizia-se, na época, que se a situação não se alterasse apareceriam outros “desquites”.
A grande alternativa de mudança poderia ter sido ascensão ao poder de Jorge Eliecer Gaitan, caudilho populista que mesclava o paternalismo de um Vargas com a fúria oratória de um Carlos Lacerda. Gaitan poderia ter sido timoneiro de um renascimento democrático colombiano. Não foi. Caiu morto, assassinado a tiros no centro de Bogotá.
Já que falamos de Garcia Marquez, que está com o prestigio baixo em seu país depois de anos de exílio, sucesso e esquerda festiva, lembremos de outra história contada por ele. Agora na sua auto biografia, Viver para contar. Gabbo estaba há poucos quarteirões do lugar onde mataram Gaitán – mais prexcisamente a frente do bar El Gato Preto ( região com grandes salões de sinuca), dia 9 de abril de 1948. A guerra civil na Colômbia estava no forno desde a independência da Espanha. A paz armando-se era com virou bagunça com o garrote, após quatro governos consecutivos, do partido conservador não admitia perder o posto para os liberais. Gaitán. Idolatrado pelo povo hipnotizava o pais com seus discursos. Conta Gabriel Garcia que quando o mataram a tiros na calçada “o povo todo enlouqueceu de ódio”. Viraram bondes, lincharam um suspeito (e Gabriel lembra que poderia muito bem não ser o assassino, porque toda a sinfonia do linchamento foi comandada por um estranho homem de terno cinza, que ninguém conseguiu explicar quem era e podia estar desviando a atenção do verdadeiro suspeito) .O povo molhava os lenços no sangue para guardar de recordação. Até Fidel estava lá neste dia, um líder estudantil de vinte anos, participando de um congresso. Ele e Márquez, mais tarde se tornam amigos Só então ele acorda para o momento político:"Como você pode querer almoçar? Mataram Gaitán!"
A lacuna deixada por Gaitan foi preenchida com a formação de uma “frente nacional”, promiscuo acordo bipartidário que remete à “política do café com leite” da primeira república brasileira ou à subserviência da Arena e do MDB na época da ditadura militar. Os partidos Conservador e Liberal se alternavam no poder (eram os partidos do si e do si, señor) e dançavam conforme a salsa tocada pelos planos de expansão norte-americanos do pós-guerra.

FARC, FRANKENSTEIN E COCAÍNA

No início dos anos 60s, catalisadas pelo triunfo da revolução cubana e pelo sentimento universal de utopia revolucionária, apareceu no teatro político colombiano um novo protagonista. Uma forca armada, de orientação marxista, como tantas que brotavam na época por toda a América Latina. As táticas foquistas de guerrilha camponesa encontraram no revelo geopolítico do país (selvas, montanhas e instituições corruptas e desacreditadas) o habitat perfeito se reproduzir e crescer. Anos mais tarde, os focos guerrilheiros convergiram para a consolidação das Forças Armadas Revolucionárias da Colombiana (Farc).
O comando das forcas guerrilheiras unidas se ofereceu naturalmente a um homem fatal nesse contexto: o guerrilheiro Manuel Marulanda Velez, apelidado de Tirofijo, por conta de sua perícia invulgar como atirador. Marulanda era, segundo perfil apresentado na revista Semana (que trouxe o histórico furo do anúncio de sua morte na matéria de capa) como o “pai fundador, aquele que orientava a direção do grupo e o dono da última palavra”.
A guerrilha, que pode ter parecido legítima num primeiro momento, todavia se revelou cruel, sanguinária, incontrolável. O recrudescimento das Farc motivou um contragolpe surreal do governo instituído na Colômbia. O Estado, para combatê-las, legitimou a criação de movimentos armados privados, abrindo mão do monopólio da violência, expresso contrato social das repúblicas modernas.
Javier Arena define as contra-insurgências armadas paramilitares como “um Frankenstein colombiano que, como toda boa criatura da literatura de horror, um dia se voltaria contra o criador que lhe deu à luz”.
A institucionalização do paramilitarismo é tão complicada de entender, principalmente para os brasileiros, acostumados com a surobocracia estatal brasileira, como o hábito de comer caldo de costela com batatas e ovos mexidos no café da manha (para o mal no caso das milícias e para o bem no caso dos espetaculares desayunos).
Tudo isso acontecia num momento internacional de fim do romantismo utópico sessentista e uma nova ascensão de um niilismo capitalista no Ocidente. O LSD e a maconha do flower power foram substituídos pela cocaína nos embalos dos sábados setentistas. E o cultivo da coca é perfeito para as férteis terras colombianas. Assim como a sua comercialização em nível internacional caía como um terno de alfaiate nas mãos de grupos armados de hierarquia rígida e métodos violentos como os que se verificam na Colômbia desde a geração dos bandoleros.
Os cartéis de Meddellin e Cali em pouco tempo assumiram a vanguarda do tráfico internacional de entorpecentes. As inacreditáveis quantias de dinheiro envolvidas foram o combustível explosivo que movimentou um período trágico de violência política. Durante um longo tempo, o dinheiro da droga financiou a guerra de “todos contra todos” no cenário colombiano. Tanto as Farc quanto os paramilitares e também o governo central eram bancados pelo inesgotável rendimento da venda do perico, cujo principal comprador eram (e ainda são) os EUA – maior e mais fiel parceiro comercial colombiano.
Foi um período de assassinatos à traição, atentados, seqüestros políticos e extorsivos que só começou a mudar de face quando a inteligência dos “think tanks” americanos escolheram o traficante de drogas sul-americano como o inimigo da vez, no fim dos anos 80s (antes, era o sudeste asiático; hoje, os árabes muçulmanos; amanhã, quem será?). Os cartéis foram desmantelados, seus barões presos ou mortos, mas o negócio não acabou. Mudou de mãos: passou a ser conduzido exatamente pelas Farc e pelos grupos paramilitares.
No final dos anos 90s, pretendeu-se, pela vez primeira, um acordo de paz entre guerrilha e o Estado colombiano. A pretensa bandeira branca que se pretendia desfraldar nos encontros na cidade de Calguan se revelou uma farsa. Na verdade, simulacro engendrado pelas Farc, que deixaram o governo do então presidente com um solene “pincel na mão”. A guerrilha rejuvenesceu, o que impulsionou uma reação de direita responsável pela coalizão que levou ao poder o presidente Álvaro Uribe, com uma proposta política clara de aniquilamento das Farc e desmobilização dos grupos armados paramilitares. Administração que hoje é referendada por expressivos números de aprovação popular.
Este é um raso e pretensioso panorama da política da Colômbia desde meados do século XX. Neste caudalosamente chuvoso inverno de 2008, a política colombiana está enfrentando um momento efervescente e crucial.

TIROFIJO ESTÁ MORTO

O anúncio da morte de Manuel Marulanda, aliás, Tirofijo, também teve suas cores surreais. Não se deu com um pronunciamento oficial ou uma entrevista coletiva. Em uma entrevista à revista Semana, o ministro de Defesa “deixou escapar” pelo meio da conversa que o chefe guerrilheiro estava morto. A repórter se assustou e perguntou:
– É verdade? Posso dar o titulo desta matéria como “Tirofijo está morto?”
O ministro, Manuel dos Santos, confirmou:
– Marulanda está no inferno para onde vão todos os criminosos.
Parece que Santos quase se “esquecera” de contar ao país a informação que detinha e que dias depois foi confirmada pelo secretariado das Farc. Como se a alma que descia ao inferno não fosse a de um dos protagonistas de toda a situação colombiana nos últimos 60 anos.
Pelas calles e carreras de Bogotá, enquanto se toma um espetacular “café tinto”, ouvimos esta constatação emblematicamente reveladora: “Só mesmo na Colômbia é possível que um assassino como Tirofijo morra de causas naturais enquanto inúmeros homens de paz morreram assassinados pelas costas”. Marulanda foi um homem peculiar, um camponês que passou mais de 40 anos conflagrado na selva (nunca conheceu Bogotá, por exemplo), causou morte e destruição e nunca conseguiu seu objetivo de tomada do poder .
A morte do guerrilheiro mais velho do mundo na ativa foi apenas mais um dos severos golpes que a guerrilha colombiana sofreu nos últimos tempos, em especial neste ano.
Desde a ação das Forças Armadas Colombianas em território equatoriano que mataram Raul Reyes, herdeiro natural do comando da guerrilha (e criaram um mal-parado incidente internacional), até a traição patrocinada pelo Estado que resultou na morte de outro importante guerrilheiro, Ivan Rios, percebe-se que a estrutura hierárquica das Farc está apodrecendo.
Muitos outros integrantes importantes se entregaram ou foram mortos, e pela primeira vez na historia da Colômbia – assim como costuma falar o presidente de um país vizinho – há um sentimento nacional de que o governo de Uribe e as Forças Armadas encurralaram as Farc.
Por outro lado, Uribe urdiu uma estratégia concreta e aparentemente efetiva de negociação e desmobilização do paramilitarismo, com acordos e deportações dos lideres dos movimentos armados. Se não fosse pouco, o Congresso Colombiano está envolvido até o pescoço num escândalo que a imprensa brasileira facilmente chamaria de “mar de lama”. Há 29 congressistas presos e outros tantos investigados por envolvimento com grupos paramilitares, a maioria esmagadora da base governista.
Um projeto de reforma política está em discussão no momento. Pretende-se coibir a possibilidade de posse dos suplentes dos políticos envolvidos com a “parapolitica”. Se aprovada a reforma, as cadeiras no Congresso que dão sustentação a Uribe ficariam vazias. O presidente perderia a maioria nas casas, o que representaria um entrave para a aprovação de projetos como o que vai propor um referendo popular para definir uma reforma constitucional que lhe permita um terceiro (e talvez um quarto) mandato.
Chama atenção a celeridade na condução dos julgamentos políticos que, por sua natureza extraordinária, não contemplam um duplo grau de jurisdição, princípio básico na maioria dos Estados de Direito modernos. Como já dito, trata-se de um pais que só os iniciados entendem.

A PALAVRA QUE NÃO TEM QUEM A ESCREVA

Muito da popularidade de Uribe, triunfalmente exortada pelos órgãos chapa-branca e ironizada pelos meios mais críticos, deve-se ao fato de ele ser um presidente que, bem ou mal, cumpre o que prometeu, algo raro para os políticos do continente. Prometeu o aniquilamento das Farc e o fim do paramilitarismo (com métodos pouco ortodoxos e corrupção na base aliada) e parece estar logrando êxito.
No entanto, paz é uma palavra que não se usa de parte a parte. Há um esgotamento visível do poder das Farc, homiziada em pontos remotos das fronteiras com Venezuela e Equador e cuja última grande carta na manga parece ser o seqüestro de Ingrid Bettancourt *.
Mas quem conhece a história do conflito sabe que nunca se deve subestimar o poder da guerrilha, agora sob nova direção. Os primeiros atos do novo comandante Alfonso Cano parecem mostrar que a intenção do grupo é a de que, se forem cair, cairão atirando.
Nota-se no contato com o povo colombiano um sentimento de fastio, cansaço de tanta turbulência e violência. Questionado sobre se num improvável cenário de paz, com a completa desmobilização dos paras e a rendição das Farc, uma democracia colombiana sem combates e sem inimigos não deixaria um vazio na alma do país, don Javier Arena responde: “Pode ser que sim, e aí teriam que encontrar outros inimigos para lutar. E nunca faltam inimigos quando se quer lutar”.
* Noticias de um Seqüestro
Muita água embaixo da ponte depois da conversa suburbana com Don Arenas. Já de volta ao torrão, onoticiário internacional conta a história da mirabolante ação militar, que teria aplicado o chapéu nas FARC . Cavalo de troa que libertou 15 seqüestrados do cárcere da selva de Guaviare, entre eles, Ingrid Bettancourt..
Libertação anunciada,no mesmo tom triunfalista pelo Ministro da Justiça colombiano , personagem singular - tão linha dura como o General Newton Cruz, tão vaidoso como o Roberto Justus. Idolatrado pela extrema-direita como um Maluf e influente como um Marinho (sua família é acionista principal da maior rede de TV e dos Jornalões do país). Santos se especializou em mostrar o pau (epa!!! ) depois de morta mais uma das cobras do ninho das FARC..
E o ano de 2008 tem sido terrível para a guerrilha colombiana. Morte dos três principais líderes, de casos de capitulação, traição e assassinato entre seus membros.. Como se fosse pouco, os guerrilheiros, que estão fisicamente encurralados na fronteira da Venezuela receberam outro golpe. Declaração de Hugo Chavez, temente pediu a rendição das FARC, classificando as de “anacrônica e injustificável”.
Sem Ingrid há poucas alternativas de negociação. Sem Chavez perdeu-se o o homizio das tropas. A situação está na base do “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Há ainda muitos seqüestrados, algumas centenas deles. Mas o “prendo e arrebento” do contubierno Uribe, já olha estas mortes como estatísticas positivas. A única alternativa das FARC parece ser morrer atirando. A pergunta é: quantos soldados vão ter estomago pra cair por esta causa. Causa que não faz sentido há muito tempo. As FARC são o ultimo sopro do século passado que ainda balança palmeiras nos hoje. Com a sua rendição, talvez o velho vinte possa dormir em paz, morto e enterrado.
Já no vvinte um, assim vai a Colômbia, um país encantador e paradoxal, com uma cultura diversificada e riquíssima e uma tradição de violência. Com indicadores positivos na economia (na medida do que pode ser positivo nas economias latino-americanas), mas, envolvido num conflito político intransponível. Uma nação ferida e, ao mesmo tempo, decidida a continuar lutando para enfrentar seu destino, tão colombianamente incrível como a historia de Cândida Erendira e sua avó desalmada.